quinta-feira, setembro 23, 2010

O DIA DO OGRO - CONTO

O DIA DO OGRO Por Rodrigo Moreno

Alto, feio, corpulento e humilde são as características do ingênuo Ogro, que vive só numa casa em péssimas condições, isolada nos limites Cidade. Antigamente, Ogro assustava a todos, mas com o tempo as pessoas foram se acostumando a ele. Perceberam que é inofensivo apesar de seu tamanho, e que é um idiota, um grande idiota, que tenta impressionar, mas é um fracasso. Ogro é motivo de piada. Todos riem de sua aparência e comportamento. É alvo das piores brincadeiras, principalmente por parte das crianças que cresceram ouvindo o quanto devem detestar e odiar aquele ser diferente que vive na casa no fim da Cidade.

As crianças adoram pregar peças nele. A última foi quando o convidaram para conhecer o terrível Demônio do Lago. Contaram histórias assustadoras a respeito dele, dizendo que comia criancinhas e pequenos animais. Ogro ficou indignado com aquelas afirmações e resolveu dar uma lição nesse demônio para deixar o povo de sua amada cidade em paz. Ele foi até lá junto com as crianças e ao chegar perto do lago perguntou “Onde está este terrível demônio?”. As crianças segurando seus risinhos disseram “Olhe para a água. O demônio é você!” e todas as crianças riram, riram como os adultos, riram como as moças e como as senhoras, riram como o Destino ri o dia inteiro da infelicidade dessa criatura que todos chamam de Ogro. Ele olhou para o lago, viu a imagem de um homem com o rosto deformado, careca, dentes amarelos e grandes como um animal, saindo dos lábios grossos, roxos, uma corcunda enorme, braços enormes como de um urso, porém tortos, mal formados. Ogro se reconheceu como sendo a coisa mais feia e terrível do mundo. Naquela noite ele chorou bastante, e a Lua cintilante, amarela como seus dentes, ria de seu sofrimento. As estrelas pareciam comentar num idioma que não precisa de palavras como esse Ogro era feio, como era diferente dos demais. Algumas brilhavam complacentes, e a criatura as observava com o olhar vago, perdido. Lembrou então que dia era. Véspera do Dia do Ogro! Um regozijo tomou conta de seu coração esperançoso, e ele riu, gargalhou feliz, e toda a escuridão de sua casa desapareceu. Tudo ficou claro para ele. Brilhante. Bonito. Aquela já não era mais uma casa pobre, escura e fedorenta. Agora era o seu palácio. Um palácio pequeno sim, porém o mais bonito de todos. Via seu salão coberto de pessoas, todas sorrindo para ele, sorrisos bons, não aqueles que o fazem se sentir mal. Ogro se viu sentado no trono. Um rei bondoso e misericordioso. Ogro se desprendeu de suas fantasias para poder ir dormir. Queria acordar cedo para o grande dia. Deitou-se em sua cama de palha, se agasalhou com farrapos e dormiu ainda com aquele sorriso animalesco, que causava náuseas, mas que no fundo era apenas o sorriso de um menino.

O galo cantou, as luzes do sol entraram pelas frestas das janelas de madeira e caíram como o encanto de uma fada nos olhos fechados da criatura que hoje seria o homem mais feliz do mundo. Ogro acordou. Sentiu uma satisfação doce percorrer o seu enorme corpo e se levantou rápido - não queria perder um segundo de seu dia. Saiu as ruas cumprimentado a todos e todos retribuíam amavelmente, parabenizando-o por seu dia. As pessoas se dirigiam a ele por Majestade. Ele gargalhava, brincando, e dizia “Não precisem exagerar! Não sou um deus.” As crianças trouxeram cestas de frutas, as mais saborosas, para lhe dar de presente. Os homens trouxeram cachaça de boa qualidade, e as mulheres dançaram e cantaram para o seu rei sentado num trono de madeira enfeitado com flores feito pelos próprios moradores. Ogro contou piadas, todos riram e ele também ria, e percebia o quanto é bom rir junto com as pessoas quando elas não estão rindo de você. À noite fizeram um enorme jantar, só com frutas e vegetais - nada de animais indefesos mortos no Dia do Ogro, essa era uma exigência da Majestade. Ogro percebeu que o dia se esvaia rapidamente, isso trouxe uma grande tristeza, mas tentou dissimular. No fim da festa, todos se foram, o encanto acabou. Agora só no próximo ano. Até lá, ele perderia seu reinado e seria desprezado novamente. Ogro voltou bêbado para sua humilde casa, que agora já não era mais o palácio de seus sonhos, era só uma humilde, velha e fedorenta casa no fim da Cidade.

2 comentários:

Anônimo disse...

A magia, o encanto, a tristesa e o despreso se fez belo nesse seu conto. Parabéns Rodrigo. Lee Nunes

Anônimo disse...

Todo mundo é um pouco como o ogro de vez em quando. Um tempo curto de alegria para uma imensidão de tristeza. Muito bom o novo conto.

Clarissa.