quarta-feira, novembro 01, 2006

O CAMINHO - Conto

Natália possui uma estranha habilidade que nem ela consegue compreender... Ela possui a capacidade de se comunhicar com os mortos. Porém, cansada de sofrer preconceito e ser chamada de louca, decide mudar sua vida e tentar se tornar uma pessoa normal. Mas uma grande ironia espera por ela na Fuga da Sanidade!

O CAMINHO Por Rodrigo Carvalho®

A vergonha ainda incomodava Natália quando ela se lembrava que suas amigas da faculdade a pegaram falando sozinha no banheiro. Duas tentaram rir, mas se controlaram e as outras três ficaram apenas impressionadas com o possível distúrbio mental de Natália. Na verdade, elas nunca foram realmente amigas, eram apenas colegas que estudavam juntas e às vezes trocavam umas palavras que não tinham ligação alguma com o estudo. Mas Natália sempre soube disso e se elas já não eram tão amigas, agora é que não serão mesmo, porque não demoraria muito para que toda a faculdade soubesse do ocorrido no banheiro. Diferente do que pode aparentar, Natália era muito conhecida pela faculdade, mas não tinha amigos, ela apenas se destacava pelo seu jeito estranho, ou como muitos a definiam: louca.
Faz apenas algumas horas que isso ocorreu e Natália refletia no ônibus. Ela sabia que apesar de acharem que estava falando sozinha, ela não estava. Natália conversava com o espírito de um homem que havia acabado de sofrer um acidente de carro e falecera na UTI. Ele não acreditava que havia morrido e estava muito confuso. Natália, um pouco assustada – afinal, havia pouco tempo que ela decidira aprimorar seu dom – conversou com ele da melhor maneira que pôde. Disse que havia sofrido uma fatalidade e que deveria seguir seu caminho para além da luz. O espírito então, aceitou sua atual condição e partiu para sempre, deixando uma mulher e três filhos pequenos.
Apesar de Natália ter descoberto esse dom aos 10 anos, ela sempre teve medo e por isso nunca aprimorou. Porém, um dia ela ajudou um cego a atravessar a rua e este disse “se você pode me conduzir pelo caminho certo, porque não faz isso com os espíritos atormentados que te procuram todas as noites?”. Natália não sabia como ele tinha conseguido essa informação, mas o que acabara de ouvir abriu sua mente para novos planos sobre sua mediunidade.
O cego, que aparentava ter uns 60 anos e se chamava Abraão, disse que também era médium e poderia ajudar-lhe a aprimorar sua habilidade. Natália refletiu bastante e decidiu aceitar a oferta e aos sábados, sempre durante à tarde, estudava com seu novo mentor. Ela aprendeu a temer o medo, a conversar com os espíritos e a vê-los em todos os lugares como se fossem pessoas comuns.
Infelizmente Abraão não pôde terminar de instruir sua aluna porque sofreu um derrame e veio a falecer poucos meses depois. Ele não era só um professor para Natália, mas também seu único amigo e a única pessoa que a entendia. Sem o velho Abraão, Natália começou e se afastar de seus estudos mediúnicos e tentou várias vezes fazer com que os espíritos a deixassem em paz, porque agora ela quer ser normal como todo mundo. Porém, essa habilidade vai acompanhá-la pelo resto da vida e ela sabe disso, sabe que por mais que os ignore, em todo lugar que ela irá um ou dois irão visitá-la pedindo para que lhes mostre o caminho que devem seguir. Mas não adianta, raramente ela pára para conversar com algum deles. E depois da cena no banheiro da faculdade, decide nunca mais conversar com ninguém que não seja de carne-e-osso.
Ao chegar em casa viu um senhor mendigo dentro do seu quarto dizendo que estava muito confuso e precisava saber para onde seguir agora. Ela ignorou-o, como havia decidido. Ignorou também uma mulher que havia morrido de câncer há poucos minutos e não aceitava sua nova condição. O mesmo foi para um rapaz que morreu de overdose, uma garota que foi atropelada, um homem que morreu de aids e até um garotinho que estava no banheiro. Ele havia sido espancado até a morte pelo padrasto bêbado, cujo único motivo era ciúmes da mãe. Havia até assistido a matéria no jornal local. Esse ela ainda teve pena, mas virou o rosto logo em seguida.
Claro que já estava bastante incomodada com todos aqueles espíritos por perto e com sua paciência passando dos limites, Natália gritou com eles dizendo “Vocês estão mortos! Deixem-me viver em paz e sumam da minha casa!”. Com a eficiência de sua atitude, Natália diz a si mesma que deveria ter agido assim antes, porque logo em seguida todos foram embora.
Os dias se passaram e poucos espíritos ainda a procuravam. Ela sabia que se ignorasse todos, logo parariam de procurá-la completamente. E foi o que houve. Quando Natália acordou para ir à faculdade, não viu ninguém, nem nas ruas e nem na faculdade. Só aquelas pessoas vivas de sempre. Natália quase não acreditou, mas com o decorrer do dia viu que sua suposição estava certa: todos os espíritos haviam decidido deixá-la em paz.
No dia seguinte ela acordou e nenhum espírito como no dia anterior. Os tempos foram passando e ela já se considerava uma pessoa normal. Estava até perdendo a fama de louca na faculdade e se tornou uma pessoa mais sociável fazendo algumas amizades. Mais tarde já era convidada para festas e recebera várias propostas de namoro causando inveja em algumas garotas. Finalmente conseguiu a vida que sempre sonhou.
Foi convidada para o aniversário de um amigo numa bela casa no centro da cidade. Ela não poderia faltar porque toda a turma estaria lá. Estava louca para conhecer pessoalmente o primo do aniversariante, um rapaz que havia chamado sua atenção num churrasco de domingo na casa desse mesmo amigo. Ela pensava nele quando os pêlos de seu corpo se arrepiaram e algum ponto desconhecido do seu cérebro percebeu a presença de outra pessoa em casa. Não era vivo, ela sabia e a ao olhar para trás viu aquele mesmo garotinho que havia sido assassinado encostado na porta fazendo um sinal para que ela se aproximasse. Ela virou o rosto ignorando-o e ao olhar novamente para a porta ele ainda continuava na mesma posição. Ela, com raiva disse “Sinto muito pela sua morte, mas saiba que não posso fazer mais nada. Você tem que aprender a encontrar seu próprio caminho e me deixar em paz porque agora sou uma pessoa normal e nenhum fantasma vai estragar isso. Agora vá embora e não me procure mais porque nunca vou te ajudar entendeu?”. Ao dizer isso o garotinho desapareceu deixando apenas a lembrança daqueles olhos tristes que comoviam Natália, mesmo ela querendo demonstrar o contrário. Em seguida, ela terminou de se aprontar e foi para a festa.
A noite foi boa. Conheceu o rapaz que havia se interessado, fez novas amizades, bebeu muito e riu com seus novos amigos. Porém já se passavam das cinco da manhã e ela se lembrou que tem uma casa para morar. Pegou uma carona com uns amigos totalmente bêbados. Estavam em alta velocidade e o motorista não prestou a atenção no sinal vermelho e não viu quando um ônibus entrou na porta do carona com um impacto de 60 km/h. Todos que estavam no carro ficaram gravemente feridos e Natália, que estava no banco do passageiro, faleceu nos braços de um para-médico.
A última coisa que viu foi o rosto do para-médico tentando reanimá-la. Depois ela perdeu a audição e tudo ficou escuro. Já não sentia mais seu corpo e após alguns segundos se via novamente em pé a alguns metros do local do acidente. Viu seu corpo e os seus amigos feridos sendo levados pelas ambulâncias.“Não pode ser verdade! Eu só tenho 22 anos! Tenho planos para o futuro! Quero me formar, casar, ter filhos. Não, meu Deus, não...”. O garoto voltou a aparecer na frente dela. Balançou a cabeça num gesto negativo e disse “Tentei te avisar, mais você me ignorou...Sinto muito.”, em seguida uma luz surgiu atrás de seu corpo. Ao olhar para a luz disse “Finalmente encontrei!”. Ele atravessa a luz e desaparece. Natália tentou alcançá-lo dizendo apavorada. “Não, espere! Para onde eu vou agora? Como encontro meu caminho? O que eu vou fazer? Me ajude, por favor!”. Natália então se tornou um espírito perdido no mundo dos vivos sem saber para onde ir e sem ter ninguém que possa auxiliá-la a encontrar seu caminho.

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