quarta-feira, abril 22, 2009

A CARONA - CONTO

A CARONA Por R. Moreno

A consciência voltou com uma forte dor de cabeça e Gisele tentava se lembrar o que havia acontecido. Para ela, ainda estava em casa ajudando seu marido a arrumar as malas para a viagem. Mas ao abrir os olhos viu o rosto dele, com a cabeça virada para baixo, olhando para ela com uma perpétua expressão de pânico talhada no rosto. Sangue seco escorria pela testa. Não respirava, isso era fácil de notar. Aquela visão de horror, suas costas doloridas e suas feridas ardendo a fizeram gritar por ajuda. Mas estava presa dentro de um carro virado no meio do nada. Seu grito correu pela estrada sumindo no ar. Milagrosamente ela ainda tinha forças para sair. Destravou o cinto de segurança e com uma força que nasceu do desespero conseguiu abrir a porta e cair do lado de fora. O carro, ou o que sobrou dele, rangeu. Ela estava suja de lama. As roupas rasgadas. Percebeu um corte de leve na canela direita, mas conseguia andar normalmente. Seu corpo doía, no entanto, só sofreu ferimentos superficiais. Todavia, não conseguia achar que tivera sorte. Estar viva naquela estrada deserta onde apenas o mato e algumas árvores pequenas lamentavam em silêncio seu sofrimento era de tirar qualquer esperança. Gritou mais alto, mesmo sabendo que era inútil. Chorou bastante de joelhos na lama. Ela só queria uma carona para sair dali. Faria de tudo por isso, até vender a alma. Nesse momento escutou um barulho de motor. Olhou apressada para a estrada. A ânsia desesperada era visível em seu rosto e gestos. Um ônibus preto e com desenhos estranhos se aproximava. Ela gritou e balançou os braços. O ônibus passou por ela diminuindo a velocidade e parou alguns metros adiante. Abriu a porta. Gisele se aproximou. Um homem, ou uma sombra, ao volante pediu para ela entrar. Rapidamente ela entrou pedindo para ele lhe deixar na cidade mais próxima. Ele riu baixo. A porta se fechou. Dentro, vários outros passageiros sem expressão alguma olharam para ela. Pareciam pessoas de luto num funeral. O ônibus partiu desaparecendo na estrada, deixando para trás o carro virado, com o motorista morto de cabeça para baixo, e, ao lado, o corpo de sua esposa com o pescoço quebrado.

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