LUZES NA NOITE Por R. Moreno®
Abaixo das estrelas, na estrada cercada por árvores e mato, um vulto escuro rasgava o asfalto com o barulho do motor rosnando alto. Pelo retrovisor da moto via-se três pontos luminosos flutuando a uns quatro metros de altura em alta velocidade. Os pneus cantaram na primeira curva depois de cinco quilômetros. Mas a esperança vaga de despistar seus perseguidores foi em vão quando Edgar viu que as luzes continuavam seguindo-o como se uma linha invisível estivesse entre eles. Aquela perseguição já durara uns bons minutos desde quando ele saiu daquela cidade. O que eram ou porque o perseguiam? Ainda não havia resposta. Mas o instinto de sobrevivência disse para ele não ficar para descobrir ou acabaria como seus amigos. No entanto, fugir por essa estrada a essa hora também não foi uma escolha muito inteligente. Havia acabado de chover e a pista estava molhada o que fez os pneus cantarem de novo, só que dessa vez uma melodia fatal. Pingos de água pularam no ar refletindo a luz dos corpos luminosos. Edgar rolou no asfalto. Felizmente perdeu apenas um capacete e sua jaqueta predileta que rasgara protegendo a sua costa larga de ferimentos mais graves. Uma linha de sangue descia abaixo dos cabelos castanhos, que pareciam escuros, em direção ao cavanhaque. Não teve tempo a perder no chão. Levantou-se como pôde. Alguns ferimentos leves ardiam nas pernas, mas não era o suficiente para deixá-lo abatido. Subitamente entrou correndo no mato causando um farfalhar violento e quebrando gravetos. Com as mãos doloridas ia abrindo caminho sem evitar apanhar dos galhos mais baixos. Eram golpes rápidos, mas que só poderia ignorar. Nada deveria ser pior que aquelas luzes desconhecidas que agora voavam acima das árvores brilhando através das folhas que projetavam sombras bestiais à sua frente. Ofegava quase sem ar e o som que produzia era abafado pelo canto dos grilos. Seus olhos cheios de vivência não piscavam. Seus pés afundavam-se na lama respingando pontos escuros na calça jeans. As árvores e o mato alto sumiram. Agora corria em uma área desmatada. Ao perceber que não existiam mais obstáculos acelerou as pernas ao máximo e acabou tropeçando em um toco pontudo e desabando na lama. Deu um grito de agonia. A ponta havia cortado um lado da canela esquerda. Mesmo assim, tentou ignorar a dor e voltou a correr quase mancando. Sua fuga durou mais alguns metros até sentir o impacto de pequenas pontas no peito e em partes dos antebraços. Foi arremessado alguns centímetros para trás. Olhou atentamente e viu que acabara de se dar de encontro com uma cerca de arame farpado. Pulou por cima dela machucando as mãos nos espinhos de metal. Parecia que estava a uma distância segura daquelas bolas de luz. Avistou uma casa de alvenaria. As luzes estavam acesas. Correu mais rápido e gritou por ajuda. Continuou gritando até se aproximar mais. A apenas alguns passos de distância viu que a porta estava aberta. Sacou o trinta e oito caso alguém tentasse impedi-lo de entrar. Invadiu empunhando a arma e fazendo ameaças. Não havia ninguém na sala para recebê-lo com os olhos arregalados de medo. Não perdeu tempo para hipóteses. Trancou a porta e se agachou no canto da parede ao lado do televisor. Na mesinha entre os sofás, fotos de pessoas sorrindo para ele. O revólver tremia firme no punho. Edgar sabia que suas balas não poderiam salvá-lo daquelas coisas que o caçavam lá fora, mas empunhá-lo lhe transmitia uma vaga sensação de segurança. Lembrou-se do que aconteceu com Dinho, Paraíba e Neto, seus antigos comparsas que só gastaram munição tentando se defender e tombaram mortos na sua frente. Edgar ainda teve tempo de ver dois furinhos no pescoço de Neto, que foi atingido por um disparo que formava um fino rastro luminoso no ar como uma linha. Agora era sua hora, pensou quando a porta começou a tremer. Rapidamente se manteve de pé e correu para a escada perto da porta. Subiu apressado e deparou-se com três portas semi-abertas no segundo andar. Entrou na que estava próxima a escada. Seus olhos congelaram fixos no corpo jogado na cama. Era uma moça loura. Deveria ter uns quinze anos. Usava uma camisola de flores e nada por baixo. Dava para ver os mamilos pelo tecido transparente. O rosto estava dirigido à porta. Seus olhos, claros como pedras de gelo, contemplavam eternamente o carrasco que já se fora há muito. Mas também observavam Edgar. No pescoço havia dois pequenos furos semelhantes aos de Neto. A porta da sala começou a tremer mais rápido acordando Edgar de seu transe. Ele se afastou rapidamente daquele quarto entrando no outro que se encontrava ao lado. Mais dois corpos. Um homem de cabelos grisalhos e uma mulher loura com traços semelhantes aos da garota. Também tinha dois furinhos no pescoço de cada um. A visão lhe perturbou, mas não tinha tempo para se esconder em outro lugar, então correu e se encolheu perto da cama ainda com a arma em mãos. Os barulhos na sala cessaram de maneira súbita. Será que eles foram embora? Edgar se levantou hesitante. Caminhou para fora do quarto. Desceu a escada devagar e quando estava chegando no primeiro andar um ranger fez suas canelas balançarem. Virou-se para trás preparado para atirar. Mas a única coisa que disparou foi seu coração, numa velocidade que mataria um cardíaco. A moça loura se aproximava descendo a escada com os braços levantados e retos. Não pode fugir de nós, humano, disse ela numa voz fina e chiando como uma televisão. Dois disparos explodiram do trinta e oito e acertaram sua testa. A moça tombou para trás. Edgar correu para o primeiro andar em direção a porta, mas hesitou em sair quando ela começou a tremer novamente. Edgar sentou no sofá preparando a mira. Ouviu o corpo da moça se levantar. Passos desciam a escada devagar. Não tinha mais saída. Era um morto que relutava em entrar no caixão. Colocou o cano gelado da arma na têmpora direita. O barulho do disparo misturou-se ao da porta explodindo em mil fragmentos de madeira. Alguns penetraram o corpo desfalecido no sofá.
- Tem certeza de que vai querer esse serviço? – perguntou o velho careca sentado à mesa.
- Claro que sim, Motta – respondeu Edgar sorrindo satisfeito – a grana que tu tá oferecendo é boa. Até acho que tá sendo generoso... Pagar tudo isso só pra pegar uma muamba lá em Indiana! E com mais dois caras pra ajudar! Tu é mesmo um pai pra gente.
- Não é bem assim... – replicou Motta – o serviço não é tão simples... Coisas estranhas acontecem naquela cidade. Nunca escutou a história do casal que saiu para passar a lua-de-mel em Castanhal e nem chegou lá? Pois é, dizem que eles pararam em Indiana, que fica no caminho, e não nunca mais saíram!
- Lendas, meu velho... Apenas lendas que o povo conta.
- Mesmo assim rapaz, tome cuidado! E Leve isto – Motta tirou da gaveta um trinta e oito e colocou sobre a mesa.
- Pra que isso, já? Não vou matar ninguém! – disse Edgar um pouco surpreso.
- Leve. Pode ser sua salvação!
Abaixo das estrelas, na estrada cercada por árvores e mato, um vulto escuro rasgava o asfalto com o barulho do motor rosnando alto. Pelo retrovisor da moto via-se três pontos luminosos flutuando a uns quatro metros de altura em alta velocidade. Os pneus cantaram na primeira curva depois de cinco quilômetros. Mas a esperança vaga de despistar seus perseguidores foi em vão quando Edgar viu que as luzes continuavam seguindo-o como se uma linha invisível estivesse entre eles. Aquela perseguição já durara uns bons minutos desde quando ele saiu daquela cidade. O que eram ou porque o perseguiam? Ainda não havia resposta. Mas o instinto de sobrevivência disse para ele não ficar para descobrir ou acabaria como seus amigos. No entanto, fugir por essa estrada a essa hora também não foi uma escolha muito inteligente. Havia acabado de chover e a pista estava molhada o que fez os pneus cantarem de novo, só que dessa vez uma melodia fatal. Pingos de água pularam no ar refletindo a luz dos corpos luminosos. Edgar rolou no asfalto. Felizmente perdeu apenas um capacete e sua jaqueta predileta que rasgara protegendo a sua costa larga de ferimentos mais graves. Uma linha de sangue descia abaixo dos cabelos castanhos, que pareciam escuros, em direção ao cavanhaque. Não teve tempo a perder no chão. Levantou-se como pôde. Alguns ferimentos leves ardiam nas pernas, mas não era o suficiente para deixá-lo abatido. Subitamente entrou correndo no mato causando um farfalhar violento e quebrando gravetos. Com as mãos doloridas ia abrindo caminho sem evitar apanhar dos galhos mais baixos. Eram golpes rápidos, mas que só poderia ignorar. Nada deveria ser pior que aquelas luzes desconhecidas que agora voavam acima das árvores brilhando através das folhas que projetavam sombras bestiais à sua frente. Ofegava quase sem ar e o som que produzia era abafado pelo canto dos grilos. Seus olhos cheios de vivência não piscavam. Seus pés afundavam-se na lama respingando pontos escuros na calça jeans. As árvores e o mato alto sumiram. Agora corria em uma área desmatada. Ao perceber que não existiam mais obstáculos acelerou as pernas ao máximo e acabou tropeçando em um toco pontudo e desabando na lama. Deu um grito de agonia. A ponta havia cortado um lado da canela esquerda. Mesmo assim, tentou ignorar a dor e voltou a correr quase mancando. Sua fuga durou mais alguns metros até sentir o impacto de pequenas pontas no peito e em partes dos antebraços. Foi arremessado alguns centímetros para trás. Olhou atentamente e viu que acabara de se dar de encontro com uma cerca de arame farpado. Pulou por cima dela machucando as mãos nos espinhos de metal. Parecia que estava a uma distância segura daquelas bolas de luz. Avistou uma casa de alvenaria. As luzes estavam acesas. Correu mais rápido e gritou por ajuda. Continuou gritando até se aproximar mais. A apenas alguns passos de distância viu que a porta estava aberta. Sacou o trinta e oito caso alguém tentasse impedi-lo de entrar. Invadiu empunhando a arma e fazendo ameaças. Não havia ninguém na sala para recebê-lo com os olhos arregalados de medo. Não perdeu tempo para hipóteses. Trancou a porta e se agachou no canto da parede ao lado do televisor. Na mesinha entre os sofás, fotos de pessoas sorrindo para ele. O revólver tremia firme no punho. Edgar sabia que suas balas não poderiam salvá-lo daquelas coisas que o caçavam lá fora, mas empunhá-lo lhe transmitia uma vaga sensação de segurança. Lembrou-se do que aconteceu com Dinho, Paraíba e Neto, seus antigos comparsas que só gastaram munição tentando se defender e tombaram mortos na sua frente. Edgar ainda teve tempo de ver dois furinhos no pescoço de Neto, que foi atingido por um disparo que formava um fino rastro luminoso no ar como uma linha. Agora era sua hora, pensou quando a porta começou a tremer. Rapidamente se manteve de pé e correu para a escada perto da porta. Subiu apressado e deparou-se com três portas semi-abertas no segundo andar. Entrou na que estava próxima a escada. Seus olhos congelaram fixos no corpo jogado na cama. Era uma moça loura. Deveria ter uns quinze anos. Usava uma camisola de flores e nada por baixo. Dava para ver os mamilos pelo tecido transparente. O rosto estava dirigido à porta. Seus olhos, claros como pedras de gelo, contemplavam eternamente o carrasco que já se fora há muito. Mas também observavam Edgar. No pescoço havia dois pequenos furos semelhantes aos de Neto. A porta da sala começou a tremer mais rápido acordando Edgar de seu transe. Ele se afastou rapidamente daquele quarto entrando no outro que se encontrava ao lado. Mais dois corpos. Um homem de cabelos grisalhos e uma mulher loura com traços semelhantes aos da garota. Também tinha dois furinhos no pescoço de cada um. A visão lhe perturbou, mas não tinha tempo para se esconder em outro lugar, então correu e se encolheu perto da cama ainda com a arma em mãos. Os barulhos na sala cessaram de maneira súbita. Será que eles foram embora? Edgar se levantou hesitante. Caminhou para fora do quarto. Desceu a escada devagar e quando estava chegando no primeiro andar um ranger fez suas canelas balançarem. Virou-se para trás preparado para atirar. Mas a única coisa que disparou foi seu coração, numa velocidade que mataria um cardíaco. A moça loura se aproximava descendo a escada com os braços levantados e retos. Não pode fugir de nós, humano, disse ela numa voz fina e chiando como uma televisão. Dois disparos explodiram do trinta e oito e acertaram sua testa. A moça tombou para trás. Edgar correu para o primeiro andar em direção a porta, mas hesitou em sair quando ela começou a tremer novamente. Edgar sentou no sofá preparando a mira. Ouviu o corpo da moça se levantar. Passos desciam a escada devagar. Não tinha mais saída. Era um morto que relutava em entrar no caixão. Colocou o cano gelado da arma na têmpora direita. O barulho do disparo misturou-se ao da porta explodindo em mil fragmentos de madeira. Alguns penetraram o corpo desfalecido no sofá.
- Tem certeza de que vai querer esse serviço? – perguntou o velho careca sentado à mesa.
- Claro que sim, Motta – respondeu Edgar sorrindo satisfeito – a grana que tu tá oferecendo é boa. Até acho que tá sendo generoso... Pagar tudo isso só pra pegar uma muamba lá em Indiana! E com mais dois caras pra ajudar! Tu é mesmo um pai pra gente.
- Não é bem assim... – replicou Motta – o serviço não é tão simples... Coisas estranhas acontecem naquela cidade. Nunca escutou a história do casal que saiu para passar a lua-de-mel em Castanhal e nem chegou lá? Pois é, dizem que eles pararam em Indiana, que fica no caminho, e não nunca mais saíram!
- Lendas, meu velho... Apenas lendas que o povo conta.
- Mesmo assim rapaz, tome cuidado! E Leve isto – Motta tirou da gaveta um trinta e oito e colocou sobre a mesa.
- Pra que isso, já? Não vou matar ninguém! – disse Edgar um pouco surpreso.
- Leve. Pode ser sua salvação!