segunda-feira, maio 05, 2008

A INCRÍVEL FAÇANHA DE UM SONHADOR - Conto

Para ser respeitado por todos de sua comunidade, um jovem sonhador decide subir a montanha mais alta. Mal ele sabe que acaba de escalar para a Fuga da Sanidade.


A INCRÍVEL FAÇANHA DE UM SONHADOR Por Rodrigo Moreno®


O Vale dos Conformados, localizado no meio de um conjunto de serras, é uma pacífica comunidade de pessoas simples que vivem da caça e pesca. Pessoas alheias ao mundo e aos grandes acontecimentos. O ano é difícil de dizer, pois ninguém sabe ou se importa com isso. Pela tecnologia atrasada e rústica, talvez seja antes do século XX, ou quem sabe, muitos anos além, no século XXX. No entanto, os habitantes do Vale dos Conformados optaram por ficarem tecnologicamente atrasados no tempo. Nunca viram uma tv e nem ao menos fazem idéia do que seja um computador. Mas isso não tem importância naquela comunidade. Basta ter apenas o necessário para sobreviver.

Mas nem todos pensam assim... Ronaldo, o Sonhador, quer ir além. Sonha em ser o mais notável da comunidade, sonha em ser revolucionário, em se destacar como o mais respeitado e famoso habitante do Vale. As moças cederão as suas fantasias mais íntimas e duelarão por seu eterno amor. Aqueles que o criticaram chamando-o de excêntrico e sonhador sofrerão a angústia da inveja. Será bem recebido em qualquer casa e local. Esculpirão uma estátua sua na praça e todos o amarão e o elogiarão.

Esses sonhos de grandeza podem parecer impossíveis para um rapaz de uma comunidade humilde, mas Ronaldo encontrou uma solução nas palavras dos mais velhos quando ainda era um garotinho e se preparou a vida toda para o dia em que subiria a Morada dos Deuses, a montanha mais alta e perigosa. Segundo uma lenda contada pelos anciões, aquele que conseguir chegar ao topo da montanha terá direito a um desejo. Ronaldo cresceu ouvindo histórias dos homens que tentaram chegar ao topo e morreram por fome ou acidentes. Até hoje ninguém conseguiu e se ele fosse o primeiro seria eternizado pela história de seu povo. Não precisaria nem do desejo para conseguir o que queria, bastava apenas chegar ao topo.

Ronaldo sempre comentava sobre esse sonho de criança. Todos riam e faziam brincadeiras maldosas com sua imagem. Entretanto, seu plano de subir a Morada dos Deuses quando completasse dezesseis anos escondeu de todos. Faltando apenas uma semana para a sua façanha começar, Ronaldo decidiu revelar o que estava prestes a fazer. Como já era de se esperar, escutou gargalhadas dos mais novos e repreendidas dos mais velhos. Ignorou com uma teimosia infantil e pegando seus víveres e algumas roupas, começou sua aventura escalando para a morte, como diziam alguns. Mesmo assim, havia aqueles que gostariam de saber até onde o Sonhador conseguiria chegar. Alguns o seguiram e era isso mesmo que Ronaldo queria. Ele sabia que estava sendo seguido e observado como previra.

O caminho era cheio de pedras pontudas e mato. Quando ia se tornando mais íngreme, Ronaldo sentia todo o limite de suas forças desgastarem suas pernas. Vez por outra parava um pouco para descansar alguns minutos e comer alguma coisa. Sentiu vontade de oferecer um pouco de sua comida para os seus três observadores, mas lembrou-se de que deveria fingir que não sabia de nada. Ás vezes pensava nas histórias daqueles que morreram tentando escalar a montanha e no fim do primeiro dia dormiu pensando nisso. No segundo dia jurou ter ouvido vozes lhe chamando e dizendo que deveria voltar. Olhou para os lados e não viu mais nada se mexendo na moita e nem ouviu as risadinhas dos que lhe observavam.

Antes de o sol se pôr já alcançara o limite que qualquer outro homem conseguira. Estava frio como a morte deveria ser. Parou para descansar e comemorar sozinho. Já não tinha mais sinais dos seus perseguidores, provavelmente já haviam desistido de continuar por medo e cansaço. Voltaram para o Vale para relatar que Ronaldo, o Sonhador foi o primeiro homem a conseguir passar da metade da Morada dos Deuses. Deitou-se na neve pensando satisfeito no que as pessoas achariam dele agora.

No terceiro dia, pela manhã, Ronaldo, já sem forças, com lágrimas de alegria aquecendo um pouco seu rosto gelado, pisou no topo. Os sussurros dos ventos frios pareciam lamentações de almas invejosas. O ar rarefeito dava a sensação de que não estava mais no mundo e sim perto dos deuses. Ronaldo gargalhou de tanta satisfação. Mesmo sem forças para se mexer direito. Estava muito esgotado, machucado e com pouca comida. Mas o que importava era que agora era mais que um simples rapaz. Era o homem mais corajoso do Vale dos Conformados.

Lembrou-se também do seu desejo, deveria ser cuidadoso porque era apenas um. Ficou um bom tempo sentado, pois mal conseguia se mexer. Talvez pedisse um castelo de ouro com belas serviçais. Mas aí seriam dois desejos... Então poderia pedir que seu feito notável durasse a eternidade, mas isso provavelmente ocorreria de qualquer jeito - pelo menos se aqueles que lhe seguiam tivessem relatado tudo e não mentissem por inveja. Era difícil ter certeza dessas coisas e por isso Ronaldo pensou em pedir que todos no Vale dos Conformados soubessem que sua façanha teve êxito. Tentou se levantar para pedir isso, mas suas pernas ainda estavam muito doloridas. Olhou ao redor contemplando a solidão fúnebre do local. Uma pessoa não poderia viver ali, tão só... Mesmo sendo o homem mais respeitado, não havia ninguém para conversar e comentar sobre seu grande feito. Deveria descer e voltar para a comunidade. Mas sentia-se fraco, incapaz de conseguir descer. Mediu o prestígio absoluto e a solidão que enfrentaria se permanecesse ali. Com um suspiro profundo olhou para o céu e desejou “Me dê forças para descer...!”.