sábado, setembro 08, 2007

UM EXEMPLO DE SUCESSO - Conto

Poucas pessoas no mundo possuem tanta determinação e sorte como Marta, uma pessoa cheia de virtudes e disposta a ajudar a todos. Porém, ela está prestes a descobrir sua verdadeira natureza na Fuga da Sanidade.


UM EXEMPLO DE SUCESSO Por Rodrigo Moreno®


Existem pessoas que realmente nasceram com o Universo como criado. Como grande exemplo podemos citar Marta, uma mulher que nasceu pra bilhar, como definem alguns e sem dúvida que não estão errados, pois essa grande executiva tem uma vida de dar inveja a muitos. Filha única de um grande empresário, Marta sempre teve todas as oportunidades que o mundo e o dinheiro poderia oferecer. Estudou em uma das escolas mais conceituadas (e mais caras!) da cidade. Desde os cinco anos tinha aulas particulares de piano, balé e inglês, tornando-se prodigiosa em todas essas três áreas. Apesar de poder escolher ser uma bailarina de sucesso ou uma grande pianista, Marta optou pela faculdade de Administração e aos vinte e cinco anos terminara de concluir seu Mestrado nos Estados Unidos. Marta sempre fora uma pessoa muito inteligente e apesar dos “mimos” dos pais, sempre buscara independência.

Todos que a conheceram se surpreendiam com sua fabulosa inteligência e grande carisma. Todos a amavam e queriam ser seus amigos, ela, amável por natureza, retribuía toda a admiração das pessoas com toda a atenção, ternura e complacência que lhe era capaz. Sempre sorrindo com o mais belo sorriso que despertava ainda mais o afeto de alguns o os sentimentos secretos e puros de alguns admiradores apaixonados. Era comum que uma mulher como ela tivesse tantos pretendentes, pois, além de bonita, determinada e inteligente, aquele sorriso perfeito expressava toda a franqueza de sua alma abençoada. Era a mulher perfeita para todos.

Entretanto, para a tristeza de muitos, após voltar do exterior e assumir o cargo de vice-presidenta da grande organização do pai, Marta começou um relacionamento sério com Cristóvão, um advogado exemplar e bem-sucedido e também cercado de muitas admiradoras. Aos dois anos juntos casaram-se e tiveram um casal de filhos gêmeos. Não se sabe se a inteligência dos filhos veio do pai a da mãe, mas isso não importa, pois Marta se orgulhara muito dos seus pequenos herdeiros. Thomaz, apesar de um pouco levado, o que era comum na sua idade, era o melhor aluno da turma e desde aquela idade já demonstrava um precoce espírito de liderança, o que provavelmente o tornaria presidente da organização do avô um dia. Natália tinha puxado o lado artístico da mãe e demonstrava um grande talento pro canto, piano e balé.

Marta tinha a vida que todas as mulheres sonharam ter, e apesar de todo o esforço que teve, sabia que não seria preciso tanto, pois o Universo conspirava a seu favor. Mas como nada pode ser perfeito, uma coisa a incomodava: falta de tempo livre. Ela já se acostumara a trabalhar bastante, mas às vezes tinha aquela breve sensação de que sua vida se resumira a isto. Ela sempre arranjava tempo para se dedicar à família, mas no fundo queria um pouco de tempo sozinha, para fugir um pouco da rotina cansativa e quem sabe ler um romance ou assistir um filme sozinha.

Cristóvão percebeu a inquietação da esposa e após concluir que Marta ansiava (e precisava) passar um tempo sozinha propôs levar os filhos para passar o fim-de-semana na fazenda dos avôs paternos. As crianças adoraram a idéia, pois já fazia um bom tempo que não iam lá e Marta adorou mais ainda. Então eles foram sábado pela manhã. Marta também deu uma folga para os empregados que trabalhavam aos domingos e encontrava-se completamente só e livre dentro daquela casa grande. Passou a manhã de domingo tocando piano como não fazia há meses, depois leu o jornal, conversou com algumas amigas pela Internet, leu algumas revistas femininas e fez seu próprio almoço. Pensou em pedir uma pizza, mas, como não cozinhava há muito tempo, decidiu por em prática seus conhecimentos de dona de casa e ver se ainda lhe restara algum.

Após o almoço debruçou-se na cama e ligou o grande televisor de tela plana. Mesmo com os diversos canais de TV á cabo, nenhum parecia lhe interessar, por isso ignorou, musicais, filmes antigos e desenhos animados e quando estava preste a desligar e ir dormir viu o parecia ser um documentário sobre moradores de rua. Porém, percebeu que não havia repórter algum e tão pouco um narrador. Tudo que via era um bairro imundo através da câmera, onde mendigos se agrupavam perto de valas e lixões em becos imundos. Aquela visão repugnante a angustiava e só de pensar na condição de vida daquelas pessoas sentia seus pelos se arrepiarem e uma efêmera ânsia de vômito pairava sobre sua cabeça. Entretanto, aquela programação, apesar de repulsiva, despertara sua curiosidade a respeito daquelas pessoas. Será que elas nunca foram alguém na vida? Será que apesar delas serem um grande exemplo de fracasso e falta de oportunidades isso também não as torna um exemplo de sobrevivência?

Marta se compadecia com pessoas que carregavam na vida o fardo da extrema pobreza. Apesar de seu pai nunca ter tido um espírito muito filantrópico, preocupando-se apenas em ajudar as pessoas carentes em projetos de responsabilidade social, Marta não puxara esse egoísmo e individualismo. Graças a ela, muitos outros projetos filantropos (que para seu pai deveriam ser chamados de responsabilidade social) tiveram sucesso e graças a ela muitas crianças com a idade de seus filhos e que mal sabiam ler e escrever e todos os dias dormiam de barriga vazia, hoje têm quatro refeições por dia, estudam nas escolas financiadas pela organização e dormem em camas macias. Muitos moradores de rua também são agraciados com o espírito humanitário de Marta que lhes dá de comer em todas as datas festivas como o Natal e a Páscoa. Sem dúvida que Marta já recebeu muitas propostas para entrar para a política, mas nunca quis se envolver com a sociedade dessa maneira, optando por ajudar apenas do seu jeito, levando o nome e a marca da organização de seu pai para uma das empresas mais humanitárias do país.

Mesmo com toda essa complacência pelo sofrimento daquelas pessoas, a educação nobre de Marta não poderia deixar de sentir uma grande repulsa pelo trauma causado pela injustiça da sociedade, que estava expresso na aparência suja e fétida daqueles mendigos e agradece quando a câmera olha para os lados e sai daquele beco imundo. Ela começa a cambalear como se o cameraman estivesse bêbado. Aproxima-se de um homem bem vestido com um terno não tão caro e empunhando uma mala preta na calçada esperando o sinal fechar. Ele olha para a câmera e com os mesmos olhos de desdém que via em seu pai quando algum morador de rua se aproximava para pedir dinheiro, diz “Quer dinheiro? Vai procurar o que fazê?”. Nesse instante o sinal se abre e ele atravessa a faixa apressado. A câmera então muda de rumo e passeia pela calçada ainda cambaleando. Duas jovens moças segurando cadernos e livros vêm na outra direção conversando. Uma delas reclama de um odor insuportável ao redor. Ao olhar para frente vê a câmera e puxa a amiga para o lado afastando-se com uma expressão no rosto de repulsa e um pouco de medo. A câmera continua seguindo pela calçada até ser surpreendida por uma garotinha que oferece alguns trocados ao cameraman. Este pega e Marta percebe que sua mão suja é fina coma a de uma mulher. “Isso é pra senhora.”, diz a garotinha entregando o dinheiro. Em seguida vai ao encontro da mãe no outro lado da rua e leva uma grande repreendida da mesma. Marta pode ouvir de longe a mãe brigando com a filha e mandando ela nunca mais se afastar dela e nem falar com estranhos. A câmera dá mais algumas voltas e desce até um grande lixão perto de um bairro humilde onde outros moradores de rua se esforçam para encontrar um pouco de comida estragada para enganar a fome. Um deles olha para a câmera e sorri com dentes amarelados e corroído por cáries. Seu rosto parece familiar. “Olhem pessoal! Ela voltou! Hehehe!”. “Marta! Pensei que estivesse morta!”, diz outra moradora de rua, uma senhora gorda e negra. “Chegou na hora certa! Tem muito lixo bom hoje!”, disse sorrindo o morador que a reconhecera. Seu nome era Chico e a senhora eles chamavam de Velha. Também estavam presentes Zé, Espirro, Urubu, e todos os outros mendigos locais, alguns até sem nome ou apelido definido. Marta gradualmente vai sentindo a falta do conforto da sua cama de casal e do ar-condicionado e percebe que está usando como vestimenta trapos velhos e um par de sandálias velhas diferentes uma da outra. Sente o suor insuportável do meio-dia, mas ela parece já estar acostumada e sente um fedor nauseante exalando da sua pele mal cuidada, suja e cheia de feridas causada pro mosquitos. “Isso não pode ser real”, pensa ela, “O que eu estou fazendo aqui?!”, grita ela apavorada, “Onde está minha casa enorme, minha TV de tela plana e todo o conforto que eu tenho direito?!”. “Lá vem ela com esse papo de novo!Hehehe”, diz o Chico e os outros mendigos começam a gargalhar. “Por que vocês ousam rir de mim?! Depois de tudo que eu fiz pra vocês! É assim que me agradecem?! Pois saibam que eu sou muito rica! Meu pai é...”, antes que pudesse concluir sua frase a Velha a interrompe concluindo para ela “ Um grande empresário! Você sempre diz isso quando toma um porre!Ahahaha”, “Certo Senhora Grande Executiva, o que vai trazer pare esses pobres famintos nesse natal? Um peru assado? Ou seria um urubu assado? Hahaha”, diz Espirro sarcasticamente. “Não, vocês não entendem! Eu sou mesmo uma grande executiva! Sou casado com um ADEVOGADO muito rico também e tenho dois fio bunito!Eu falo inglês, toco piano, sou bailarina...”

Marta tentava convencer os outros mendigos que seus delírios causados pela fome e pela cachaça barata eram reais ao mesmo tempo em que tentava inutilmente acordar daquele pesadelo que se tornava cada vez mais real à medida que o efeito do álcool se esvaía e a barriga voltava a mendigar um prato de comida. Os outros mendigos apenas riam mais uma vez daquela moradora de rua que sonhava ser uma rainha.